Como remendar uma câmara furada? Como lubrificar a corrente da bicicleta? Como ajustar um freio v-brake? Autonomia é a palavra-chave da série de vídeos e textos tutoriais com explicações diretas e didáticas que ensinam qualquer um a ajustar uma bicicleta. A iniciativa, chamada de Chave Quinze, prevê a distribuição de conhecimento sobre mecânica de graça e de maneira aberta. O conteúdo é distribuído na página e também em um canal de Youtube, criado para o projeto.
O projeto foi lançado no último Dia Internacional da Mulher, 8 de março, por Gabriela Kato e Talita Noguchi, e tem entre suas preocupações é a falta de representatividade das mulheres quando o assunto é mecânica de bicicletas, conforme destacado no texto de estreia:
Se digitar “mulher” e “bicicleta” no Youtube entre os vídeos brasileiros, por exemplo, aparecerão entre os primeiros resultados mulheres em biquínis ou roupas íntimas sobre bicicletas, com alguns closes na bunda, e notícias de acidentes de trânsito envolvendo mulheres, mas não mulheres praticando ciclismo como esporte, dando dicas de como pedalar diariamente na cidade ou ensinando a fazer manutenção
As duas toparam responder três perguntas para o Código Urbano, explicando mais sobre a proposta:
1 – Por que um projeto para democratizar conhecimento sobre mecânica de bicicletas?
A inspiração veio com as oficinas de mecânica que as Pedalinas (um grupo de pedal exclusivo para mulheres) ofereciam, chamado Mão na Graxa. A ideia desses eventos era a de dar maior autonomia a mulheres para resolver problemas corriqueiros relacionados à mecânica de bicicleta, sem precisar da ajuda de outra pessoa (muitas vezes um homem), ainda mais se o imprevisto acontecesse em uma rua deserta. Além disso, havia o fato de que, até uns três anos atrás, não havia muitos vídeos de tutoriais de mecânica de bicicleta, e alguns não mostravam o passo a passo na íntegra. De lá para cá, surgiram mais canais didáticos, mas ainda assim faltava um dedicado a esse assunto que fosse apresentado por mulheres.
2 – Para você, Talita, que é uma das proprietárias do Magrelas, um bar-oficina, não é contraditório ensinar seus clientes a ter mais autonomia?
Acho que contraditório é acreditar na bicicleta como um instrumento libertário e ao mesmo tempo não disponibilizar acesso ao conhecimento sobre ela. A autonomia e liberdade proporcionada pela bicicleta só pode vir através da total independência que uma pessoa pode ter com ela e isso passa também pelo aprendizado mecânico dessa ferramenta. Um outro ponto é que uma pessoa pode ter conhecimento sobre algo e, mesmo assim, recorrer a um serviço por questão de tempo ou outra comodidade. E conhecer um assunto abre um leque muito maior para se consumir de diversas outras formas.
3 – Como é descontruir e subverter a ideia de que mecânica, assim como muito de tecnologia, é uma área masculina?
Estamos, assim como muitas outras mulheres por todo o Brasil, tentando construir um novo espaço e uma nova forma de se democratizar esse conhecimento sem barreiras de gênero. A construção desse espaço é importante no que diz respeito à representatividade da mulher em vários campos e na ocupação deles. Estamos num momento em que a maior parte dos nossos acessos ainda se dá por homens, o que mostra claramente o motivo de estamos aqui fazendo esse trabalho.