ARTIGO 19 questiona sigilo de documentos da Sabesp

A ARTIGO 19, organização que se pauta pela defesa do direito à informação, emitiu nota pública criticando a decisão do Governo do Estado de São Paulo de determinar sigilo de 15 anos sobre informações relativas ao abastecimento de água na Região Metropolitana de São Paulo pelo sistema gerenciado pela Companhia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (SABESP).

Imagem aérea captada na última sexta-feira, dia 9, demonstra o quanto a principal represa do Sistema Cantareira encolheu. Frente à seca de informações, o monitoramento por satélites ajuda a avaliar a gravidade da situação. Imagem: Landsat

No texto, a ARTIGO 19 afirma que “considera que a justificativa para a classificação desses documentos não é plausível e tem pouco respaldo na realidade para sobrepor-se ao direito constitucional de acesso à informação pública”, manifestando ainda preocupação com o contexto em que a restrição de acesso a informações se dá. “Sobretudo em momentos de crise, é de mais transparência – e não menos – que a sociedade precisa para enfrentar desafios de maneira participativa e sustentável.”

Não é a primeira vez que os gestores da SABESP (que hoje são Jerson Kelman, Manuelito Pereira Magalhães Junior, Rui de Britto Álvares Affonso, Edison Airoldi, Paulo Massato Yoshimoto e Luiz Paulo de Almeida Neto) enfrentam questionamentos públicos por restringirem acesso a informações. O Ministério Público de São Paulo chegou a acionar a companhia para exigir mais transparência na divulgação de dados sobre o volume do Sistema Cantareira, um dos principais na rede de abastecimento de São Paulo. Em função da metodologia de difícil compreensão e pouca transparência da empresa, o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital ajuizaram ação civil pública para garantir a divulgação dos dados. São tais informações que possibilitam a publicação do Mananciais.tk, visualização produzida pelo Código Urbano que permite acompanhar a evolução dos níveis dos reservatórios de água da cidade.

Em sua decisão, o Juiz Evandro Carlos de Oliveira, da 7ª Vara de Fazenda Pública, destacou que “a divulgação da informação tal como veiculada contém nítida capacidade de induzir o consumidor em erro, vez que a utilização dos volumes das reservas técnicas (situação excepcional) para a aferição do volume real disponível, cria a ilusão de que o sistema está positivo (fato que não corresponde à realidade quando analisado apenas o volume útil) e pode induzir o consumo imoderado do escasso bem”.

Leia a íntegra da nota pública da ARTIGO 19 divulgada nesta terça-feira, dia 13:

Depois da notícia sobre a determinação de sigilo de até 25 anos a documentos relacionados ao transporte metropolitano de São Paulo (bit.ly/1LhVTYK), a sociedade é novamente surpreendida por outra medida do governo estadual paulista que afronta as boas práticas de transparência.

Segundo reportagem do portal iG (bit.ly/1Mx3d3x), a Sabesp, empresa de abastecimento hídrico subordinada ao governo de São Paulo, determinou sigilo de 15 anos a informações relativas ao fornecimento de água na Região Metropolitana do Estado, especificamente, ao seu Cadastro Técnico e Operacional. De acordo com o texto do veículo, a empresa teria argumentado que a divulgação de tais informações poderia “ensejar ações com potencial para absoluto descontrole social” e ser usada para “planejamento de ações terroristas”.

A ARTIGO 19 considera que a justificativa para a classificação desses documentos não é plausível e tem pouco respaldo na realidade para sobrepor-se ao direito constitucional de acesso à informação pública. Mesmo nas hipóteses previstas em lei como exceções à regra de publicidade, sempre deve-se verificar se o interesse público na divulgação não se sobrepõe à necessidade de sigilo no caso concreto. Tal entendimento tem base em princípios de acesso à informação, com respaldo em documentos internacionais, como a Lei Modelo da Organização dos Estados Americanos e os Princípios de Joanesburgo.

O estado de São Paulo enfrenta um período longo de estiagem e uma grave crise hídrica há pelo menos um ano. Mesmo frente à evidente falta de transparência por parte dos órgãos públicos na gestão desta crise e a sensível falta d’água nas torneiras da população do Estado, não houve evidências concretas de ameaças à segurança pública.

Não há, portanto, justificativa plausível para a classificação de documentos de interesse público, especialmente de forma genérica. A Lei de Acesso a Informação deixa claro que, mesmo nos casos em que o sigilo for um imperativo, apenas as partes necessariamente confidenciais dos documentos podem ser afastadas do acesso público.

Avaliamos que o governo do Estado evidencia, confirmada mais esta notícia, sua prática pouco transparente de gestão. A classificação de documentos relacionados à rede de abastecimento de água e esgoto utilizando argumentos como o “planejamento de ataques terroristas” é tratar todos os cidadãos do Estado como criminosos em potencial. Essa atitude fere o direito constitucional de acesso à informação, reprime a liberdade de expressão, prejudica o controle social e naturaliza a cultura do sigilo.

A banalização da classificação de informações como sigilosas é uma prática para a qual a ARTIGO 19 vem chamando a atenção. Tanto no caso dos documentos relacionados ao transporte metropolitano quanto no de agora, o sigilo só foi descoberto após veículos da imprensa fazerem pedidos formais via Lei de Acesso à Informação.

Para a entidade, é fundamental que a lista de documentos classificados como sigilosos contenham o assunto ao qual se refere a informação. Muitas vezes são fornecidos apenas códigos e números que ocultam em absoluto o conteúdo dos documentos e impedem por completo o controle social.

Assim como no caso do sigilo dos documentos relativos ao transporte metropolitano, que, após intensa reação negativa da sociedade civil, está sendo revisto, é fundamental que o governo de São Paulo reverta o status de “secreto” imputado aos documentos da Sabesp e os torne disponíveis a quem quer seja.

Sobretudo em momentos de crise, é de mais transparência – e não menos – que a sociedade precisa para enfrentar desafios de maneira participativa e sustentável.”

Imagens de satélite mostram gravidade de crise hídrica em SP

A represa de Jaguari, uma das principais do Sistema Cantareira, encolheu. Do alto, a partir de imagens de satélite do sistema Landsat 7, da Nasa*, é possível ver com clareza como a área alagada de um dos principais mananciais de São Paulo diminuiu consideravelmente nos últimos cinco anos. A primeiro foto é de 13 de junho de 2010, mês em que o nível da represa passou de 100%. A segunda, é de 13 de julho de 2015, quando, segundo a Sabesp, o nível do volume que pode ser utilizado sem bombeamento estava abaixo de 10%, volume (clique aqui para ver o volume hoje). Deslize a barra para visualizar como o nível de água diminuiu.

O inverno começou em 21 de junho e, este ano, as chuvas do primeiro semestre não foram suficientes para recompor o sistema de abastecimento de São Paulo. A cidade entrou na estação mais seca do ano com o Sistema Cantareira em situação delicada.

O encolhimento de uma das principais reservas de água da capital não aconteceu de uma hora para outra. A animação ao lado, feita também com imagens do satélite Landsat 7, da Nasa, ajuda a visualizar como, ano após ano, a represa de Jaguari vem diminuindo. As fotos exibidas em sequência são de 13 de junho de 2010, 18 de abril de 2013, 13 de maio de 2014 e 13 de julho de 2015. De 2003 a 2015, houve variações consideráveis no nível do Sistema Cantareira, como é possível ver no projeto Mananciais**, mas nunca a situação foi tão grave.

Além de não ser novidade, a diminuição do reservatório não é fato isolado na região, onde diferentes reservas e fontes de água secaram nos últimos anos. O fenômeno está ligado não só à redução do volume de chuvas, mas também ao desmatamento e ocupação irregular de áreas de mananciais.

A crise hídrica de São Paulo e a situação do Sistema Cantareira deram forças aos argumentos utilizados por ambientalistas para pressionar o governador Geraldo Alckmin (PSDB) na discussão sobre o Projeto de Lei 219 / 2014, apelidado de Lei do Desmatamento por flexibilizar e reduzir a preservação ambiental no Estado de São Paulo. 

Lei do Desmatamento
De autoria dos deputados estaduais Barros Munhoz (PSDB), Campos Machado (PTB), Estevam Galvão (DEM), Itamar Borges (PMDB), José Bittencourt (PSD) e Roberto Morais (PPS), o projeto foi especialmente criticado por, em um momento em que a cidade vive racionamento constante de água, propor a diminuição da proteção de nascentes e olhos d’água, reduzindo a faixa de preservação permanente de 50 metros para apenas 15 metros em áreas consolidadas. O texto também permite que proprietários possam compensar o desmatamento em São Paulo com reflorestamento em outros estados.

Deputados estaduais Barros Munhoz (PSDB), Campos Machado (PTB), Estevam Galvão (DEM), Itamar Borges (PMDB), José Bittencourt (PSD) e Roberto Morais (PPS), autores da Lei do Desmatamento. Fotos: Divulgação/ALESP

O projeto acabou aprovado pela Assembleia Legislativa no final de 2014 e sancionado pelo governador em janeiro. Alckmin chegou a vetar alguns artigos, mas o resultado final, a Lei n° 15.684, foi bastante criticada justamente por fragilizar a preservação ambiental. “A ausência de obrigatoriedade de recomposição das áreas de preservação permanente é um aspecto fundamental. Os impactos disso a gente vai ver no médio e longo prazo porque sem a recuperação das áreas de preservação permanente, você tem graves consequências para os rios, como o assoreamento do curso d’água”, afirmou na ocasião o advogado do Instituto Socioambiental (ISA) e integrante do Observatório do Código Florestal, Maurício Guetta, em entrevista à Rádio Agência Brasil de Fato.

Para mensurar os efeitos da alteração de legislação nos próximos anos pesquisadores e acadêmicos hoje podem contar com a ajuda de satélites e tecnologias específicas. É fácil estabelecer parâmetros e monitorar casos específicos, como o da Represa de Jaguari. Além da comparação pura e simples de imagens, dá para desenvolver sistemas que, com a ajuda de filtros e modelos matemáticos, podem alertar automaticamente variações drásticas. Como exemplo, com a ajuda do Resemble, ferramenta aberta de análise e comparação de imagens, organizamos essa representação que destaca em rosa as mudanças registradas no nível da represa de Jaguari de 2010 a 2014.

* Texto atualizado em 5 de agosto. As imagens em questão são do Landsat 7 e não do 8, como informado anteriormente. Correção feita após alerta de Luiz Gustavo Gonçalves nos comentários abaixo, a quem o Código Urbano agradece.

** Em função de uma mudança no sistema de atualização da Sabesp, a base de dados do Mananciais deixou de ser alimentada automaticamente em fevereiro de 2015. Estamos trabalhando para corrigir o problema e voltar a gerar a visualização dos dados sobre a situação dos mananciais de maneira clara e didática, de modo a permitir que a população acompanhe e possa comparar a evolução das informações sobre o abastecimento de São Paulo. Problema corrigido em 7 de agosto de 2015. \o/